É isso mesmo! Meu chão é sagrado, pois é nele que eu sambo e lavo a alma.
O samba para nós mulheres é tão importante quanto para os homens. Samba para nós não é um lugar onde rola uma “pegada” (odiamos esse termo que menospreza tanto os sentimentos humanos - mas esse é assunto para outro texto). Não vamos ao samba para isso. Somos mulheres fortes, felizes, sambistas, senhoras de si, curtimos o samba, as amizades, respeitamos o terreiro onde pisamos. Para nós, samba é Raça, é Raiz, é Tradição, é Cultura e, acima de tudo, é Respeito!
Quem disse que mulher não entende de samba?
Certa vez em um encontro, ouvi de um Malandro, um sambista com quem eu saia: “-Você gosta mesmo de Roberto Ribeiro? É difícil mulher conhecer, que dirá gostar!” Fiquei perplexa! Que me desculpe este Malandro, mas tenho que alertá-lo: não é difícil mulher gostar de Roberto Ribeiro, nem de Cartola ou João Nogueira. Nós, mulheres sambistas, gostamos sim e entendemos muito de samba, sabemos avaliar uma boa percussão, um repique perfeito, o choro do cavaco, o bom samba, amamos samba de “entidade”, samba antigo feito com o coração marcado na caixinha de fósforo e que teve como testemunha da composição um terno de linho branco e o chapéu panamá.
E digo mais a este Malandro: ele tem saído com as patas do samba e não com mulheres sambistas. Nós não gostamos de samba para agradar os homens, mas sim a nossa alma!
As patas do samba, essas sim ficam na volta do palco, chocando o surdo, o tãm tãm, o pandeiro esperando uma sobrinha pra elas, sambam como ninguém, mas nem reparam o som que ouvem, só reparam se o carinha da banda é gato, reduzem o sambista, o músico competente ao “carinha”! Essas, com toda certeza, nunca ouviram falar de Zé Keti ou Jamelão. Estas sim estão ali pela pegada e não pelo samba, mas não julgamos no samba tem espaço para todas, só queremos deixar claro a diferente proposta de cada uma.
Samba é sim lugar de mulher! Sem nós mulheres, o samba não existiria. Somos musas, fonte de inspiração, somos o esteio do sambista nas horas difíceis. Somos as Tias do samba que cediam seus terreiros para roda de samba acontecer, que faziam a feijoada para o sambista ter força e fazer a roda entrar madrugada a dentro, que como Tia Ciata ou Tia Eulália dedicaram a vida ao samba e a seus sambistas!
Nas escola de samba, somos a madrinha da bateria que faz a comunidade chorar de emoção, somos a porta bandeira que carrega o pavilhão da escola com o mesmo amor que carrega um filho no ventre!
Homens, é hora de olhar o cenário do samba de maneira mais ampla e enxergar Beth Carvalho, Alcione, Leci Brandão, Graça Braga, Ivone Lara, Maria Rita, entre tantas outras mulheres que, além de sambistas, grandes intérpretes e compositoras, são DIVAS: mães, esposas, amantes, sambistas... e simplesmente mulheres. Exemplos de amor ao samba!
Todas nós somos um pouco Clara Guerreira. Mexam com nosso samba, mas esperem a trovoada!
Quando vamos a roda de samba queremos samba!
Claro que paqueramos, ficamos, bebemos, vivemos grandes amores, beijamos caras errados, vivemos o samba intensamente, mas nosso objetivo ali é o samba de qualidade.
Por isso dizemos: “se não for me levar aos céus nem me tire do chão!”
No chão eu sambo; meu terreiro é sagrado; Meu Samba lava a minha alma, me dá forças para continuar, na luta e na batalha diária.
O samba resgata a alma da gente, pois o sambista fala com o coração e nós assim como os poetas nos deixamos levar por esta magia e acreditamos sim que nós mulheres vamos ao samba e fazemos a diferença. Portanto, abram espaço nas rodas de samba. Pedimos licença, pois estamos chegando!
Salve a mulher Brasileira, cheia de charme, cheia de ginga e com muita malícia que veio ao samba mostrar do que é capaz!
Nessa Ratti
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Nossos agradecimentos a Araceli Auletta e a Marisa Santana, sambistas que fazem a diferença no samba e em nossas vidas e que colaboraram para esta matéria.